A locação pode ser considerada mista quando tem finalidade residencial e, ao mesmo tempo, não residencial. Essa locação pode ser estabelecida pela vontade do locador e locatário ao contratarem, ou ainda, assim ser considerada pelo critério de preponderância de uma finalidade em relação à outra.
Por vezes o próprio contrato que define o uso do prédio locado, digamos como sendo comercial, permite ao inquilino residir numa parte do imóvel, como sói acontecer para facilitação de moradia ao comerciante. Essa circunstância, no entanto, não descaracteriza a locação, que é não residencial, submetendo-se às regras desta.
Afinal, “se o fato habitação existe apenas em função da atividade comercial, ou desta é elemento acessório ou dependente, comercial é a natureza jurídica da locação e como tal merece ser tratada, sendo admissível a retomada por denúncia vazia” (Rel. Guerrieri Rezende – JTACivSP-RT 107/333).
De fato, sempre se admitiu a retomada por denúncia vazia, na hipótese de locação mista, desde que houvesse preponderância da atividade comercial (Rel. Ferreira Conti – JTACivSP-RT 92/307;Rel Accioli Freire – JTACivSP-RT 98/282).
Outras vezes, o contrato estabelece locação residencial, mas, por outro lado, autoriza que o locatário use pequena dependência para o exercício de determinada atividade profissional ou comercial. Ainda assim, prevalece a finalidade residencial, e a relação jurídica locativa é regida pelas normas da locação residencial.
Finalmente, há casos em que, em termos quantitativos e qualitativos se igualam a locação comercial e a residencial, hipótese em que não se pode deferir a retomada como se fosse locação não residencial (2º TACivSP – Ap. 163.937 – 2ª Cam. – Rel. Pércio Mancebo; 2º TACivSP – EmbInf 156.745 – Rel. Murilo Pinto).
A matéria, entretanto, não oferece maior dificuldade na solução de litígios, quando há contrato escrito, e tudo nele está previsto.
Há situações, no entanto, em que a locação é verbal, ou, embora de início houvesse contrato escrito, acabou prorrogado por tempo indeterminado, vigorando o liame há muitos anos. Ou, ainda, embora escrito o ajuste, não é possível pelo seu exame saber qual daquelas finalidades é a principal. As partes acabam discutindo sobre a existência de locação mista, quase sempre o locador sustentando que prepondera o uso comercial e o locatário dizendo que a utilização de maior amplitude ou principal é a residencial.
A questão, nesse ponto, há de ser resolvida tendo em vista a predominância de utilização residencial ou comercial, a fim de que sejam aplicados os dispositivos legais pertinentes a uma ou a outra dessas locações.
Dependendo da controvérsia que se estabelece a respeito, em muitas oportunidades somente a instrução probatória é que fornecerá elementos suficientes à solução da lide, com a realização até de perícia, se necessária essa prova.
Finalmente, os insignes professores Paulo Resiffe Neto e Paulo Sérgio Resiffe salientam que “as locações mistas, indivisíveis, sem ressalvas, estão sujeitas aos princípios do tratamento que a lei lhes defere, correspondente às locações residenciais, salvo se, pelo prazo, existência de fundo de comércio e outros requisitos objetivos implícitos cumulados, devam receber proteção ainda maior, correspondente ao direito à renovação compulsória, em benefício do locatário de qualificação ambígua” (Locação – Questões processuais e substanciais. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 145).